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Resenha : Alucinação - Belchior

 

ALUCINAÇÃO é o segundo álbum de estúdio do cantor cearense Belchior. O disco é considerado por muitos como o melhor trabalho musical da MPB de todos os tempos. Tendo seu lançamento em 1976, o álbum foi sucesso de vendas na época, consagrando Belchior como um artista de massa. 

"Apenas um Rapaz Latino Americano", faixa de abertura do álbum, é uma odisseia musical; a faixa autobiográfica nos mostra uma história cênica crua, crítica e dolorosa "
   
"Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco

Sem parentes importantes e vindo do interior

Mas trago, de cabeça, uma canção do rádio

Em que um antigo compositor baiano me dizia

Tudo é divino, tudo é maravilhoso"

Compõe Belchior, onde trás também uma crítica ao cenário cultural; ele queria gritar sobre sua época, queria cantar os absurdos e não entrar na onda colorida e sonhadora do Tropicalismo, e ser mais um autor que fala sobre coisas divinas e maravilhas ( cof cof Caetano Veloso).

Após a áspera "Apenas Um Rapaz Latino Americano", vamos para "Velha Roupa Colorida", segunda faixa do álbum que se tornou famosa na voz da indômita Elis Regina. A faixa apresenta um arranjo animado e moderno, que combina com o tema retratado na sua canção: Mudança. Aqui Belchior abandona todo seu passado, se despede de uma época hippie e feliz, e olha em frente para o futuro.

"No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais "

Afirma Belchior; curiosamente a faixa serve como resposta a "Apenas Um Rapaz Latino Americano", e de prólogo para "Como Nossos Pais" , canção seguinte. 

Chegamos a terceira faixa. Se Alucinação é o melhor álbum de MPB de todos, com certeza absoluta "Como Nossos Pais" é a melhor canção brasileira de todos os tempos, canção essa também regravada por Elis Regina, e por Maria Rita na reinterpretação mais atual. O tanto de regravações desta música confirma o quanto ela é atemporal; escutá-la nos remete a uma viagem mental, vivemos cada verso cantado, sentimos emoção em cada acorde e nos deparamos com uma crítica implícita a Ditadura Militar.

"Para abraçar meu irmão e
Beijar minha menina, na rua
É que se fez o meu lábio, o meu braço
E a minha voz" 

"Como Nossos Pais" é um hino, uma letra belíssima que proporciona uma experiência única e diferente a cada ouvinte. 

"Sujeito de Sorte", quarta faixa do disco, é o que podemos chamar de canção de superação, algo que se tornaria cliché para maioria dos artistas, se torna poesia nas mãos de Belchior : " Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro", berra Belchior, acompanhado por um arranjo animado de guitarras, sons eletrônicos, triângulo e bateria. Música perfeita para levantar qualquer astral.  

  "Como o Diabo Gosta", quinta faixa do álbum e última do Lado A ( para quem é da era do Vinil), traz uma letra curta, mas nem por isso se torna redutiva, pelo contrário, é uma canção forte e visceral. Belchior canta com empolgação profunda, e o final repleto de vocalizações, falsetes e agudo, é o toque que a canção necessitava.

Alucinação, sexta faixa do álbum, primeira do Lado B, cumpre com a responsabilidade que carrega; a de ser o título do trabalho. Cuidado ao escutar Alucinação, você ficará chocado com um lirismo e interpretação excepcional. Vemos aqui uma das melhores canções de Belchior, ao lado de "Como Nossos Pais" e "Velha Roupa Colorida". Alucinação surpreende por ser relevante até os dias de hoje. Nela vemos uma crítica ácida ao racismo, desigualdade social, violência, prostituição e abuso da polícia. Além de nos apresentar menções ao feminismo, homossexualidade  e a luta por direitos, tão recorrentes em sua época de lançamento e atuais até o presente; versos fazendo menção a globalização,e a narração da vida na capital, também estão explícitos 
na letra. E por fim, temos o recado principal: Amar e mudar as coisas, me interessam mais.

  "Não Leve Flores", sétima do álbum, traz um arranjo country enquanto Belchior nos avisa para não cantar vitória muito cedo. Uma música mais calma e tranquila de escutar, boa para aliviar a profundidade das faixas anteriores.

"Á Palo Seco", a melancólica oitava faixa do disco, segue o tipo autobiográfico já visto em faixas passadas. Belchior surpreende ao não cair em repetições baratas ou em se confortar, mesmo seguindo um padrão imposto à outras faixas, "Á Palo Seco" continua com uma originalidade única.


  Lembra quando eu falei na faixa "Não Leve Flores" que ela servia como descanso das pancadas que levamos nas outras canções ? Esse descanso acaba na nona faixa. "Fotografia 3x4", é uma descrição sofrida e realista da viagem de Belchior do Norte para a cidade grande. A faixa nos leva a cenários como cabarés, praias e pontos turísticos entre Rio de Janeiro e São Paulo. Percebemos a discriminação sofrida por Belchior. Ouvimos também a dor de se abandonar uma paixão para perseguir seu destino, e mais uma critica a paisagem esplêndida cantada por Caetano Veloso, como ouvimos no seguinte verso:
"
Veloso, o sol não é tão bonito pra quem vem do norte e vai viver na rua".
  

Canção triste e realista, retratando, não só a jornada de Belchior, mas o sofrimento de todos que saíram de regiões do interior para tentar a vida nas grandes capitais. 
  
 Chegamos à Antes do Fim, décima e última faixa do disco, e como afirma o título, "Antes Do Fim" é uma despedida. Com um arranjo folk, temos uma canção de encerramento perfeita para o disco. 
  
Quero desejar, antes do fim,
pra mim e os meus amigos,
muito amor e tudo mais;
que fiquem sempre jovens
e tenham as mãos limpas
e aprendam o delírio com coisas reais.

Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo:
o canto foi aprovado
e Deus é seu amigo.
Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo,
que eu não sou perigoso:
- Viver é que é o grande perigo


     Vemos aqui tudo o que Belchior nos passou durante o álbum, a busca por amor, direito e compreensão; o alerta aos perigos e mazelas da vida e a grande vontade de sonhar, viver e seguir adiante.

Como podemos descrever Belchior ? Belchior não é apenas um cantor/compositor, Belchior é música, é filosofia, é sentimento. Belchior é um deus, não pelo fato de ser magistral, mas sim por ser atemporal, por não temer colocar o dedo na ferida e por cantar com o coração, não só com o seu, Belchior canta com o coração de todo ouvinte, ele penetra no seu interior e lhe aflora as mais diversas emoções. 

   Em uma Inglaterra consagrada pelos Beatles e os Estados Unidos marcados por Bob Dylan, tenho orgulho de bater no peito e dizer: Sou do Brasil. Não do Brasil intolerante, desgovernado e desestruturado,esse não. Sou do Brasil marcado por Belchior. E enquanto a  sua mensagem  for transmitida, Belchior irá viver na luta de cada um. 


Nota - 10/10 




Critica feita por Edgar Dourado.


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